Tecnologias de Reconhecimento Facial

Nas últimas décadas, o reconhecimento facial tornou-se uma das ferramentas mais poderosas e controversas da inteligência artificial. Capaz de identificar e verificar indivíduos ao analisar características faciais, essa tecnologia foi integrada ao cotidiano, revolucionando tarefas como desbloquear smartphones e realizar triagens de passageiros em aeroportos.

A tecnologia de reconhecimento facial funciona por meio de um processo em várias etapas: detecção, alinhamento e correspondência. O sistema mede até 68 pontos distintos, como os cantos dos olhos, a ponte do nariz e os contornos da mandíbula, para criar um mapa detalhado das características faciais. Esse “impressão facial” é então comparado a um banco de dados de rostos conhecidos. Sistemas modernos utilizam algoritmos de aprendizado profundo que aumentam a precisão ao serem expostos a milhões de imagens faciais.

A adoção da tecnologia é ampla. Agências de aplicação da lei têm usado cada vez mais o reconhecimento facial em investigações criminais, com mais de 100 departamentos de polícia nos Estados Unidos assinando serviços desse tipo. No setor privado, o uso também cresceu rapidamente. Muitos empregadores utilizam escaneamentos faciais para monitorar a frequência de trabalho, e parques de diversão, como o Shanghai Disneyland, permitem que portadores de passes sazonais entrem no parque escaneando seus rostos.

O marco regulatório que governa o reconhecimento facial nos Estados Unidos permanece fragmentado. Embora os Atos de Direitos Civis de 1957 e 1964 proíbam discriminação com base em raça, religião, sexo, cor, origem nacional e deficiência, atualmente não existem disposições constitucionais ou leis federais que regulem ou restrinjam especificamente o uso de tecnologias de reconhecimento facial ou outras formas de inteligência artificial pelo governo federal.

Em nível local, alguns estados e municípios criaram suas próprias regulamentações. Por exemplo, a Lei de Privacidade de Informações Biométricas de Illinois exige que as empresas obtenham consentimento por escrito antes de coletar dados biométricos. Em 2019, São Francisco tornou-se a primeira cidade dos EUA a proibir o uso governamental de reconhecimento facial, seguida por outras cidades, como Boston e Portland, Oregon.

Defensores da tecnologia argumentam que o reconhecimento facial desempenha funções vitais para a segurança pública. De acordo com pesquisas recentes, 46% dos adultos americanos apoiam o uso da tecnologia por forças de segurança para fins de segurança pública. A tecnologia tem ajudado a resolver casos antigos, localizar pessoas desaparecidas e prevenir atividades criminosas.

Por outro lado, críticos levantam preocupações significativas sobre privacidade e possíveis abusos. Defensores dos direitos civis alertam que a adoção generalizada de sistemas de reconhecimento facial ameaça a privacidade individual e pode viabilizar a vigilância em massa. A tecnologia pode rastrear os movimentos de indivíduos em vários locais sem o consentimento deles, potencialmente restringindo os direitos de livre expressão e reunião.

Limitações técnicas agravam essas preocupações. Um estudo do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia revelou que as principais tecnologias de reconhecimento facial apresentaram taxas de erro até 100 vezes maiores para rostos negros e asiáticos em comparação com rostos brancos. Essas disparidades frequentemente resultam em identificações erradas e prisões injustas.

À medida que a tecnologia de reconhecimento facial se torna mais sofisticada, os formuladores de políticas enfrentam uma pressão crescente para desenvolver estruturas regulatórias abrangentes. O sucesso dependerá de equilibrar as aplicações legítimas para segurança pública com proteções robustas para a privacidade e os direitos civis. O desafio está em criar regulamentações que promovam a inovação responsável enquanto previnem abusos e discriminação.

No Seminário de Sábado desta semana, estudiosos discutem as regulamentações atuais em torno da tecnologia de reconhecimento facial.

  • Em um artigo recente no Notre Dame Journal of Law, Ethics & Public Policy, Shlomit Yanisky-Ravid, da Fordham University School of Law, e o advogado Kyle Fleming expressam preocupações sobre os direitos de privacidade e as liberdades civis à medida que a tecnologia de reconhecimento facial se torna mais comum. Os autores argumentam que as proteções constitucionais atuais nos Estados Unidos, sob a Quarta Emenda, podem ser insuficientes para proteger a privacidade na era digital, já que a análise tradicional da Quarta Emenda se concentra principalmente em invasões físicas e buscas corporais, e não em vigilância digital. Diante dessas limitações, Yanisky-Ravid e Fleming recomendam abordagens regulatórias específicas, defendem uma supervisão mais rigorosa das aplicações de identificação facial e sugerem a proibição do uso indiscriminado da tecnologia.
  • Em um artigo na Washington University Global Studies Law Review, o advogado Christopher Kim reconhece os benefícios potenciais da tecnologia de reconhecimento facial, mas alerta para os riscos de abuso, como opressão e violações de privacidade, que exigem atenção imediata. Kim propõe três intervenções regulatórias principais para minimizar o potencial discriminatório da tecnologia. Primeiro, ele recomenda aumentar a transparência no uso da tecnologia, exigindo que as empresas obtenham aprovação de órgãos reguladores para cada nova aplicação proposta. Segundo, Kim sugere a proibição da tecnologia em contextos de alto risco envolvendo populações vulneráveis, como menores de idade. Por fim, ele defende medidas corretivas claras para casos de uso indevido e erros de identificação, incluindo o direito de ação privada e investigações obrigatórias conduzidas por agências independentes.
  • Em um artigo recente na North Carolina Law Review, Amanda Levendowski, professora da Georgetown Law, destaca as falhas dos atuais modelos de regulamentação da tecnologia de vigilância facial. Levendowski explica que soluções existentes, como moratórias voluntárias de empresas e legislações locais fragmentadas, não conseguiram conter a disseminação de tecnologias invasivas e sistematicamente tendenciosas. Ela propõe o uso da lei de direitos autorais para combater o uso não autorizado de fotografias protegidas por copyright na construção dos bancos de dados que sustentam essas tecnologias. Embora reconheça que essa solução não é perfeita, Levendowski defende a aplicação estratégica da lei de direitos autorais para responsabilizar empresas e conter a proliferação descontrolada da vigilância facial enquanto regulamentações federais mais amplas não são implementadas.
  • Em um artigo na DePaul Law Review, Samuel D. Hodge, Jr., professor da Temple University Beasley School of Law, alerta que as vantagens do uso comercial crescente da tecnologia de reconhecimento facial devem ser equilibradas com seus potenciais danos. Hodge observa que a tecnologia pode oferecer maior segurança e experiências personalizadas para os consumidores, mas enfatiza questões éticas associadas, como viés algorítmico, invasões de privacidade e riscos de uso indevido. Ele também explica que a dependência de conjuntos de dados falhos leva a erros de identificação baseados em raça e gênero. Assim, Hodge defende regulamentações e práticas empresariais que equilibrem aplicações comerciais úteis com a proteção dos direitos individuais e da privacidade.
  • Em uma nota de estudante publicada na Stetson Law Review, a advogada Hope Corbit propõe uma legislação para regulamentar o uso de tecnologia de reconhecimento facial por empresas. Um dos aspectos discutidos por Corbit é a criação de uma lei federal de privacidade biométrica que estabeleça padrões para empresas privadas que contratam com o governo. Ela também recomenda a criação de um conselho independente de segurança de privacidade biométrica, responsável por gerar diretrizes e inspecionar as políticas e procedimentos das empresas sobre coleta de dados biométricos. Segundo Corbit, essa legislação deveria exigir que todas as empresas que utilizam tecnologia biométrica obtenham consentimento por escrito de seus usuários antes de coletar, usar ou transferir qualquer informação.
  • Em um artigo recente na Columbia Science and Technology Law Review, Matthew Kugler, da Northwestern Pritzker School of Law, analisa as atitudes do público em relação ao uso governamental de tecnologia de reconhecimento facial. Por meio de três estudos, Kugler destaca um amplo apoio ao uso da tecnologia para combater crimes graves, aumentar a segurança em aeroportos e escolas e agilizar a verificação de identidade em espaços controlados. No entanto, ele observa um desconforto significativo com o uso geral em espaços públicos, especialmente onde poderia restringir liberdades como a de reunião. Com base nesses achados, Kugler propõe uma abordagem escalonada: usos não relacionados à aplicação da lei devem ser permitidos se forem suficientemente específicos e direcionados, enquanto o uso pela polícia deve exigir um mandado.

Com conteúdo do The Regulatory Review.

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