O inventor Joe Woodland desenhou o primeiro código de barras na areia de Miami Beach, décadas antes da tecnologia permitir que sua ideia se tornasse realidade
De tempos em tempos, a pequena cidade de Troy, no condado de Miami, em Ohio, comemora um acontecimento histórico que, por algumas semanas animadas, a coloca no mapa mundial do comércio de supermercados. Na época, a National Cash Register — empresa que fornecia os equipamentos de caixa — tinha sede em Ohio, e Troy também abrigava a sede da Hobart Corporation, responsável pelo desenvolvimento das balanças e máquinas de precificação de itens vendidos a granel, como carnes. Foi lá, pouco depois das 8 da manhã do dia 26 de junho de 1974, que o primeiro produto marcado com o Código Universal de Produto (UPC) foi escaneado no caixa do supermercado Marsh, em Troy.
Foi tratado como um evento cerimonial e envolveu um pouco de ritual. Na noite anterior, uma equipe de funcionários do Marsh trabalhou para colocar códigos de barras em centenas de itens na loja, enquanto a National Cash Register instalava seus scanners e computadores. O primeiro “cliente” foi Clyde Dawson, chefe de pesquisa e desenvolvimento do Marsh Supermarket; e a pioneira caixa que o atendeu foi Sharon Buchanan. A lenda diz que Dawson pegou de seu carrinho de compras um pacote múltiplo de chicletes Wrigley’s Juicy Fruit. Dawson explicou mais tarde que não foi uma escolha aleatória: ele o escolheu porque ninguém tinha certeza de que seria possível imprimir um código de barras em algo tão pequeno quanto um pacote de chicletes, e a Wrigley havia encontrado uma solução para o problema. A recompensa de ambos foi um lugar na história dos Estados Unidos.

Joe Woodland disse que parecia um conto de fadas: ele teve a inspiração para o que viria a ser o código de barras enquanto estava sentado na praia de Miami. Desenhando com os dedos na areia, ele imaginou um código que pudesse ser impresso nos produtos e escaneado para que as filas nos caixas dos supermercados fossem mais rápidas e a contagem de estoque fosse simplificada. A ideia de que uma tecnologia como essa fosse necessária não foi dele: veio de um gerente de supermercado angustiado, que havia pedido a um reitor do Drexel Institute of Technology, em Filadélfia, uma forma de agilizar o atendimento aos clientes em sua loja. Os atrasos e a necessidade constante de contagem de estoque estavam prejudicando seus lucros. O reitor o ignorou, mas um pós-graduando júnior, Bernard “Bob” Silver, ouviu a conversa e se interessou. Ele mencionou o assunto para Woodland, que havia se formado no Drexel em 1947. Woodland já era inventor e decidiu assumir o desafio.
Tão confiante de que encontraria uma solução para o dilema do supermercado, Woodland deixou a pós-graduação no inverno de 1948 para viver em um apartamento de seu avô em Miami Beach. Ele havia vendido algumas ações para se sustentar. Foi em janeiro de 1949 que Woodland teve sua epifania, embora a simplicidade brilhante da ideia e suas consequências de longo alcance para a existência moderna só fossem reconhecidas muitos anos depois.

Foi o Código Morse que lhe deu a ideia. Woodland o havia aprendido quando era escoteiro. Enquanto estava sentado em uma cadeira de praia e refletia sobre o dilema dos caixas, o Morse veio à sua mente:
“Eu me lembro de estar pensando sobre pontos e traços quando enfiei meus quatro dedos na areia e, por algum motivo — eu não sabia o porquê — puxei minha mão em direção a mim e formei quatro linhas. Eu pensei: ‘Nossa! Agora tenho quatro linhas e elas podem ser linhas largas e estreitas, ao invés de pontos e traços. Agora tenho uma chance maior de encontrar o danado.’ Então, apenas segundos depois, peguei meus quatro dedos — ainda na areia — e os movi formando um círculo.“


De volta a Filadélfia, Woodland e Silver decidiram tentar criar um sistema funcional com a tecnologia disponível na época. Eles registraram uma patente em 1949, que foi finalmente concedida em 1952. Embora a patente ilustre o conceito básico, há apenas um pequeno número de evidências anedóticas sobre o que Woodland e Silver realmente construíram. Um protótipo rudimentar, na casa de Woodland, usava uma lâmpada incandescente de 500 watts. Um osciloscópio era usado para “ler” o código; todo o conjunto era do tamanho de uma mesa. Supostamente, ele funcionava, até certo ponto. Mas uma avaliação objetiva concluiu que estava 20 anos à frente de seu tempo. Woodland e Silver tinham a ideia certa, mas não dispunham de um minicomputador e, crucialmente, de uma luz muito forte para “ler” o código de barras preto e branco.
Em 16 de julho de 1960, quando viu o laser pela primeira vez, Carl Byoir, chefe de relações públicas da Hughes Aircraft Company, de Culver City, Califórnia, declarou que eles estavam em sérios apuros: “Parece algo que um encanador fez.” Mas no dia seguinte, em uma conferência de imprensa realizada no Hotel Delmonico, em Nova York, a empresa fez um dos anúncios mais sensacionais da história da ciência. Um de seus cientistas de pesquisa, Theodore Maiman, havia criado uma “luz radioativa atômica mais brilhante que o centro do sol”. Maiman apresentou aos jornalistas seu “laser”, um acrônimo para Amplificação de Luz por Emissão Estimulada de Radiação.
A maioria dos repórteres estava ansiosa para saber para que servia o laser e o que ele poderia fazer. Era como ficção científica. Maiman explicou que o feixe de laser era tão concentrado, tão “coerente”, que, se fosse enviado de Los Angeles a São Francisco, se espalharia apenas por 30 metros. O feixe diminuto era quente e afiado o suficiente para cortar materiais. Poderia ser usado como uma arma? Essa não era a intenção, garantiu Maiman aos jornalistas. Mesmo assim, o Los Angeles Herald destacou a história com o título: “Homem de LA Descobre Raio da Morte da Ficção Científica”. Esse tema se tornou popular nos jornais.

Maiman havia vencido a corrida para construir o primeiro laser, superando uma feroz concorrência mundial. É possível imaginar a enorme excitação que ele e seu colega Irnee D’Haenens sentiram quando produziram aquele primeiro feixe instável. Naquela época, eles não sabiam para o que ele poderia ser usado, mas imaginavam que teria muitas aplicações na ciência e nas comunicações, na indústria para corte e soldagem, e na medicina para cirurgias delicadas. Mas, como Maiman escreveu, “Eu não previ o scanner de caixa de supermercado ou a impressora.”
Um folheto produzido em 1966 pela Kroger Company, que operava uma das maiores cadeias de supermercados da América do Norte, terminava com um desanimado desejo por um futuro melhor: “Só sonhando um pouco… será que um scanner óptico poderia ler o preço e totalizar a venda… Precisa-se desesperadamente de um serviço mais rápido, mais produtivo. Solicitamos sua ajuda.” O negócio da Kroger era alimentos, não eletrônicos, então a empresa procurou um parceiro com a expertise necessária.
Uma pequena equipe de pesquisa na poderosa Radio Corporation of America (RCA) estava investigando alguns novos projetos, incluindo a possibilidade de um caixa eletrônico bancário, que decidiram não seguir em frente porque “o cliente não compraria o conceito.” Finalmente, eles se concentraram no código de barras. Uma pesquisa na história revelou alguns esquemas aparentemente insensatos: em um deles, os clientes escolhiam cartões perfurados que identificavam o que queriam comprar e os apresentavam a um caixa, que pegava os produtos na loja. Esse sistema não sobreviveu por muito tempo no setor de supermercados. Depois, havia a patente para um sistema no qual o comprador de supermercado colocava tudo em um cesto, que era empurrado para baixo de um scanner que identificava cada item e imprimia a conta.

Logo, eles encontraram a patente de Woodland e Silver. Este não era o código de barras retangular que Woodland havia inicialmente imaginado na praia de Miami, mas o “alvo” de círculos concêntricos que ele achava ser um design melhor. Quando ele e Silver trabalharam nisso, decidiram que o alvo era o símbolo mais adequado porque poderia ser lido com precisão de qualquer ângulo.
Imprimir o código de barras em formato de alvo revelou-se uma das maiores dificuldades, pois qualquer imperfeição tornaria todo o sistema inviável. Um turbilhão rotativo de canetas esferográficas e uma caneta projetada para astronautas, capaz de escrever de cabeça para baixo, resolveram alguns desses problemas. Todo esse desenvolvimento técnico, envolvendo várias empresas contratadas pela RCA, culminou no primeiro teste real de vida no supermercado Kroger Kenwood Plaza, em Cincinnati. Em 3 de julho de 1972, os primeiros caixas automáticos foram instalados (um dos pioneiros da RCA está na coleção do Smithsonian). Mais caixas foram instalados, e uma comparação com outras lojas da Kroger revelou uma história inegável e muito promissora: o código de barras com alvo atingiu o objetivo, com números de vendas superiores. Mas isso era apenas uma loja em um mercado nacional de supermercados e mercearias no valor de bilhões. Se o laser e o código de barras fossem revolucionar os caixas, precisariam ser quase universais.
O objetivo do Comitê Ad Hoc do Código Universal de Identificação de Produtos poderia ser exposto de maneira simples. Os representantes do comércio de alimentos tinham a missão de encontrar uma forma de introduzir um Código Universal de Produtos, um código de barras que fosse comum a todos os produtos vendidos em supermercados e impresso pelos fabricantes e varejistas. O código carregaria informações sobre a natureza do produto, a empresa que o fabricou e assim por diante. Os computadores das lojas “leriam” essas informações com scanners e introduziriam suas próprias variações, que poderiam envolver ofertas especiais e descontos. A visão estava lá, mas as dificuldades para sua realização eram imensas.
Os fabricantes muitas vezes se opunham à ideia de um código universal. Eles já tinham métodos existentes de identificação de produtos, que teriam que ser descartados ou adaptados. Os fabricantes de papelão temiam que um código impresso pudesse estragar seu produto. Os fabricantes de conservas não queriam ser obrigados a colocar códigos de barras na base das latas. Levou quatro anos para chegar a uma proposta viável a ser apresentada a toda a indústria.
No final, sete empresas, todas com sede nos Estados Unidos, submeteram sistemas ao Comitê de Símbolos, um desdobramento técnico do Comitê Ad Hoc. A RCA, tendo demonstrado seu sistema ao comitê em Cincinnati, considerou, de forma razoável, que era a única verdadeira concorrente.
No entanto, na última hora, a International Business Machines (IBM) fez uma proposta surpresa. A empresa não tinha nenhuma tecnologia para demonstrar ao comitê, e a decisão de entrar na competição parece ter sido uma ideia de última hora, apesar de ter em seus quadros ninguém menos que Joe Woodland. Como se revelou, embora Woodland estivesse envolvido na proposta da IBM, ele não foi o criador da versão do código de barras da empresa. Isso ficou a cargo de George Laurer, que, em sua própria opinião, tinha uma vantagem sobre seus concorrentes porque nem ele nem a IBM haviam dado muita atenção aos sistemas de caixas de supermercado ou aos códigos de barras, e sua empresa não tinha tecnologia pronta. Começando do zero, Laurer não tinha preconceitos quanto à aparência do código de barras, embora seus superiores tivessem presumido que seria alguma versão do alvo circular patenteado por Woodland e do sistema pioneiro da RCA em Cincinnati.
Laurer recebeu as especificações para um código de barras que havia sido determinado pelo Comitê de Seleção de Símbolos: ele deveria ser pequeno e organizado, com no máximo 1,5 polegadas quadradas; para economizar, deveria ser imprimível com a tecnologia existente usada para etiquetas padrão; havia sido calculado que apenas dez dígitos seriam necessários; o código de barras deveria ser legível de qualquer direção e em alta velocidade; e deveria haver menos de um erro não detectado a cada 20.000 leituras.
Embora houvesse ceticismo dentro da IBM, Laurer foi convincente o suficiente para receber a aprovação para desenvolver um código de barras retangular. Uma divisão da IBM construiu um protótipo de scanner, e o Código Universal de Produtos de Laurer foi testado. “Havia muitos céticos na IBM,” lembrou Laurer, “não menos importante que [seu chefe] B.O. Evans. No entanto, ao final de uma demonstração impecável para o Sr. Evans, fizemos nosso lançador de softbol arremessar cinzeiros de saco de feijão, com símbolos na parte inferior, o mais rápido possível sobre o scanner. Quando cada um foi lido corretamente, o Sr. Evans ficou convencido.”
Convencer o Comitê de Seleção de Símbolos foi outra história, já que o comitê estava sob enorme pressão para aceitar o símbolo de alvo já em funcionamento da RCA e a tecnologia que havia inspirado muita confiança de que um código universal de produtos poderia funcionar. Após pedir uma avaliação das simbologias rivais aos cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em 30 de março de 1973, em um hotel de Nova York perto da Grand Central Station, o comitê se reuniu para tomar sua decisão final e crucial. O presidente do comitê, Alan Haberman, pediu primeiro para que todos declarassem o quanto estavam confiantes de que o símbolo escolhido era o correto. O nível de confiança era muito alto—cerca de 90% de certeza—e o vencedor foi o código retangular de Laurer.
Para Woodland, que faleceu em 2012 aos 91 anos, deve ter sido uma experiência estranha testemunhar a reencarnação, em forma sofisticada, das linhas alongadas do Código Morse que ele desenhou na areia em 1949. Agora, havia um scanner a laser de preço acessível para registrar, com um feixe concentrado de luz, as linhas verticais codificadas de preto e branco alternados, e um microcomputador para decifrar as informações.
Como muitas invenções, o UPC não foi um sucesso imediato. Foi quando os grandes varejistas adotaram o UPC que ele decolou, sendo o Kmart o primeiro. Na verdade, a tecnologia de código de barras foi quase feita sob medida para empresas como o Walmart, que lidam com milhares de produtos que precisam ser catalogados e rastreados. O código de barras decolou no setor de supermercados e varejo nos anos 1980 e, ao mesmo tempo, começou a transformar a manufatura e a aparecer em qualquer coisa que se beneficiasse de identificação instantânea. Em 2004, a revista Fortune estimou que o código de barras era usado por 80 a 90% das 500 maiores empresas dos Estados Unidos.


Embora a inspiração para o código de barras tenha sido o pedido dos supermercados por uma tecnologia que acelerasse o processo de pagamento, seu maior valor para os negócios e a indústria é que ele forneceu evidências concretas e estatísticas sobre o que vende e o que não vende. Ele transformou a pesquisa de mercado, oferecendo um retrato detalhado dos gostos das pessoas, e tornou as linhas de produção mais eficientes. O temido feixe de laser, que antes era associado ao “raio da morte”, agora é encontrado em scanners do tamanho de uma arma que leem e registram instantaneamente qualquer coisa, desde medicamentos hospitalares até recém-nascidos.
Após muitos anos de anonimato, o homem cujo conhecimento de Código Morse inspirou as famosas listras preto e branco finalmente recebeu algum reconhecimento. Em fevereiro de 1992, o presidente George H.W. Bush foi fotografado em uma convenção nacional de supermercados, olhando atentamente para um scanner de supermercado e tentando passar uma lata com um código de barras sobre ele. O correspondente do New York Times escreveu sobre isso como sendo a primeira vez que Bush havia visto um caixa de supermercado. Em outras palavras, ele estava desconectado da vida cotidiana dos americanos. Seus assessores insistiram que ele não estava impressionado com a novidade da tecnologia, mas sim com o fato de que ela poderia ler um código de barras danificado. Apócrifo ou não, a história pegou e foi considerada prejudicial para Bush. No entanto, como o jornal local de Woodland afirmou: “George Bush não é do tipo que guarda rancor. Não, senhor.” Alguns meses após o incidente no caixa, Bush entregou a Woodland a Medalha Nacional de Tecnologia.
Este trecho foi adaptado de Eureka: How Invention Happens, de Gavin Weightman. Reimpresso com permissão da Yale University Press.
Com conteúdo do Smithsonian Magazine.

Luiza Fontes é apaixonada pelas tecnologias cotidianas e pelo impacto delas no nosso dia a dia. Com um olhar curioso, ela descomplica inovações e gadgets, trazendo informações acessíveis para quem deseja entender melhor o mundo digital.